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22 de Janeiro de 2021

Game Changer 11 – Entrevista com Carlos Paz

 

Formado em Engenharia Mecânica, com várias pós-graduações nas áreas de Gestão, Marketing, Estratégia e Gestão de Projetos, Carlos Paz foi consultor, Associate Partner, da área de Gestão da Accenture de 1987 a 2009.

Posteriormente, desempenhou o cargo de Presidente Executivo da Groundforce Portugal até fevereiro de 2013.

Com uma vasta e completa carreira ao nível do ensino académico desenvolvida desde 1983 até ao presente, no ISEL,
na Universidade Nova de Lisboa, na Universidade do Minho e no ISG (nas áreas de Planeamento Estratégico, Logística e Operações, Análise de Investimentos e Gestão da Produção e Manutenção) que lhe permitiram possuir um espaço de comentário televisivo no Canal Económico, Carlos Paz, faz um balanço acerca de todo o seu percurso profissional abordando a sua experiência como CEO, dando a conhecer um pouco de si, da forma como trabalha e valoriza os colaboradores da empresa, fatores que se revelaram determinantes para se tornar num “Game Changer” ao nível da liderança e da gestão.

É licenciado em engenharia mecânica. Foi uma escolha espontânea ou foi condicionada ou incentivada por algum acontecimento na sua vida?

CP – O meu primeiro curso foi realmente Engenharia Mecânica. Foi uma escolha assumida desde a juventude. A paixão pelos mecanismos, pelos motores, pelos automóveis e motos. Não tive “segunda escolha”, foi mesmo a opção.
Já depois, com as primeiras experiências profissionais não académicas, começou a nascer o interesse pelas ciências económicas e empresariais. Daí os posteriores estudos de Economia. Mais recentemente, o Doutoramento em Gestão, é simplesmente uma questão de diversão. Com a minha idade já posso ter divertimentos destes.

Que balanço faz dos anos que trabalhou enquanto consultor numa multinacional? Consegue apontar alguns dos acontecimentos ou projetos mais significativos para si ao longo desse longo período?

CP- Faço o balanço mais positivo possível. Nenhuma outra profissão me teria dado a hipótese de, em simultâneo:

  1. Ter podido estudar e desenvolver conhecimentos em tantas áreas, por pura opção própria;
  2. Ter sido exposto a tantos tipos de negócios em tão diversos ramos de atividade;
  3. Ter tido o privilégio de conhecer tantas pessoas e com uma tal disparidade de origens, conhecimentos, posições sociais e competências.

A segunda e terceira são comuns a qualquer carreira de Consultor nas áreas de Gestão numa das grandes multinacionais de Consultoria. A primeira é quase um exclusivo da Accenture, que permite, e fomenta, o desenvolvimento de competências nas suas pessoas, independentemente da aplicabilidade prática no curto prazo. Cada um dos projetos de Consultoria teve o seu lado especial e o seu contributo para o meu desenvolvimento pessoal e profissional. Por isso não consigo destacar nenhum.

Foi CEO da Groudforce e o principal objetivo da sua contratação foi reestruturar a empresa, na sequência da compra de 50,1% da operadora de handling à TAP. O que o motivou a abraçar este projeto?

CP- Foi uma “aventura” por passos. Por motivos pessoais (saúde) aos 48 anos dei uma volta à minha carreira, concentrando-
me na área académica e tendo a Consultoria (em nome individual) como uma atividade acessória, por forma a ter mais tempo
para mim mesmo. Acontece que um dos primeiros pedidos de ajuda que tive, como Consultor, foi a avaliação da Groundforce para uma eventual compra da empresa. Aceite esse trabalho, seguiu-se o pedido para construir a proposta de compra e o respetivo
modelo de negócio, bem como assessorar toda a negociação subjacente com a TAP (proprietária da empresa a 100% nessa altura).
Depois, “já agora”, veio o pedido para apoiar o comprador e a TAP nas negociações, com os sindicatos, conducentes à viabilização da empresa. Finalmente, como consequência, o convite para “tomar conta disto”, durante o período de transição e recuperação da empresa. Tendo sido responsável pela avaliação, pelo desenvolvimento do plano de negócios, pela negociação da compra e pelas negociações com os sindicatos e autoridades aeronáuticas, era um desafio impossível de negar.

A Groundforce apresentava resultados negativos de 11,1 milhões de euros em 2011. Até à sua saída, qual foi a evolução da empresa? De que forma conseguiu dar a volta ao jogo?

CP- Em resumo, a empresa perdia em média 15 milhões de euros por ano. Num ano passou desses números para um resultado negativo de 1,5 milhões e para um orçamento de 1,5 milhões positivo para o ano seguinte (cumprido). Positivo pela primeira vez na história da empresa.
Sobre a segunda parte da pergunta, a resposta que sempre dei é a mesma (porque é a verdade): eu não fiz nada; eu era só o Presidente Executivo; quem deu a volta foram os trabalhadores (todos) da empresa.
Com as negociações sindicais passei a responsabilidade da viabilização da empresa para os seus trabalhadores (detesto a expressão colaboradores). Foram eles que conseguiram salvar a empresa e os seus postos de trabalho. Eu fui só o Maestro. Como disse antes: era só o Presidente.

Tem e sempre teve um foco muito grande nos Recursos Humanos e teve a preocupação de manter os 2500 postos de trabalho da Groundorce. Foi fácil os trabalhadores confiarem em si? Que desafios encontrou?

CP- Em toda a minha carreira, como Consultor e como Gestor (e, sempre que aplicável, também como académico) tive sempre uma grande preocupação com o desenvolvimento e a retribuição das pessoas que trabalhavam comigo e/ou para mim.
Para mim o grande objetivo de uma empresa, qualquer empresa, deveria ser, sempre, a criação e manutenção de postos de trabalho sustentáveis. Com tudo o que isto quer dizer: pessoas com oportunidades de desenvolvimento, justamente remuneradas, com trabalho para o presente e para o futuro e assegurando uma remuneração justa e honesta do capital investido.

As pessoas da Groundforce, ao início (em alguns casos só nas primeiras horas ou, no limite, nos primeiros dias) tiveram alguma desconfiança deste tipo de discurso mas, muito rapidamente, perceberam que não era só discurso: “o gajo é mesmo assim!”.

Que estratégias utilizou para manter a motivação dos colaboradores durante a reestruturação?

CP- Mais do que estratégias, três opções táticas:

  1. Abertura e total transparência no que dizia, no que fazia e nas decisões que tomava;
  2. Transmitir e explicar sempre a ideia (real): estamos no mesmo barco; o nosso objetivo é salvar a empresa e os seus postos de trabalho;
  3. Criar um modelo de distribuição de lucros com os trabalhadores, caso os lucros excedessem a tal “remuneração justa e honesta do capital” (distribuição essa que, com muito orgulho o digo, já ocorreu).

Sabemos que numa noite de Natal foi ter com a equipa que estava de serviço no aeroporto. O que o levou a sair do seu lar para estar junto de alguns membros da sua equipa?

CP- Eles estavam a trabalhar!

Quais as soft skills que considera que podem fazer a diferença numa organização?

CP- Nos tempos que correm, com as atribulações económicas e laborais que estamos a viver, essa é das questões mais difíceis de responder. No entanto acho que poderemos todos concordar que numa altura em que o teletrabalho e o distanciamento social vieram para ficar, o primeiro para sempre e o segundo por muito, muito tempo, as competências associadas às capacidades de comunicação, de organização e de estabelecimento de relações de confiança, são as mais relevantes.

É mais ou menos consensual que o Carlos é um “game changer” nos líderes e gestores do nosso país. Concorda?

CP- Sem o pretender ser, acabei realmente por ser visto assim ao longo de quase toda a minha carreira. Mas, como costumo dizer: eu sou um simples professor universitário que faz Consultoria de Gestão. Eu só ajudo. Os verdadeiros “game changers” são os empresários que arriscam, todos os dias, o seu trabalho, o seu capital e o seu bom nome. Tal como os trabalhadores que, em cada instante, arriscam o seu trabalho e a sua subsistência, para, juntos, manterem a sociedade em funcionamento. E aqui utilizo a expressão “sociedade em funcionamento” em vez da tradicional “economia em funcionamento”, porque a segunda está, erradamente, demasiado associada, pelas pessoas, à vertente financeira. De facto são as empresas, empresários e trabalhadores, que garantem o funcionamento da sociedade como a conhecemos (saúde, apoios sociais, educação, cultura, infraestruturas, bem estar e, claro, economia e finanças, públicas e privadas).

É também professor universitário. Como é dar aulas a profissionais e futuros profissionais que podem ser os nossos gestores de amanhã Qual a principal mensagem que lhes tenta passar?

Fui sempre Professor Universitário desde que acabei o meu primeiro curso. Mantive sempre as duas carreiras, Gestor e Consultor de Gestão e Professor, em paralelo. Até aos 48 anos, o ser Professor era um hobby; Daí para a frente passou a ser a atividade principal, mantendo a consultoria como hobby. Tenho imenso respeito para com os Professores que dão aulas aos mais jovens (desde a pré primária até aos primeiros anos das licenciaturas). Eu só tenho verdadeira experiência e, sem falsa modéstia, assumo, alguma competência, na formação de adultos (Mestrados, Pós Graduações e Programas de Desenvolvimento de Gestores e Empresários) e, devo dizer, que após o fim de cada curso, quando faço o meu balanço, ainda tenho aquele sentimento que sempre tive em relação à profissão de Professor: “e ainda me pagam para isto!”. Resumindo: não é uma profissão, é uma vocação.
As principais mensagens que tento transmitir são as que fui aprendendo ao longo da vida:

“Nunca se sabe tudo, é sempre preciso estudar e investigar mais”

“Tomem todas as vossas decisões profissionais baseadas no princípio de que, quando se virem ao espelho, mantenham respeito pela imagem que está refletida”

Olhando para trás mudaria alguma coisa no seu percurso profissional?

CP- Provavelmente não. Em alguns momentos, fiz opções que podem não ter sido as mais realizadoras do ponto de vista financeiro, mas foram-no do ponto de vista pessoal. Mantenho respeito pela imagem refletida no espelho todos os dias de manhã.

Para si, quais as “regras do jogo” que têm de mudar relativamente ao trajeto do nosso país?

CP- Esta é a pergunta das utopias. Mas não me furto a responder:

  1. Para os Políticos: Decisões políticas baseadas no futuro e não no populismo eleitoral do momento;
  2. Para a Justiça: Funcionamento do sistema e eliminação de todas as formas de apropriação indevida do bem comum;
  3. Para a Sociedade: Deixarmos de pensar pelas lógicas clubísticas (as decisões dos “meus” são sempre boas e as dos “outros” são sempre más; não é verdade!);
  4. Para todos em geral: Aposta clara numa Economia de “produção” de bens e de subida na escala de valor.

Relativamente ao último ponto, gostaria de acrescentar o seguinte: não podemos continuar a viver de prestar serviços uns aos outros até o dinheiro acabar. Até porque, quanto a isso, tenho uma má notícia para os mais distraídos: o dinheiro acabou há 230 mil milhões de euros atrás (valor da dívida pública).

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